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Por Filipe Charone Tavares Lopes

O exercício da empresa não é uma tarefa fácil. O empresário está sujeito a uma série de encargos e obrigações, das quais não poderá eximir-se, sob pena de execução dos bens sociais para o cumprimento dos compromissos assumidos.

 

Isto é o risco do empreendimento, algumas vezes tão elevado, que se não existissem meios para reduzi-lo, muitas atividades não seriam executáveis e muitos produtos ou serviços não estariam disponíveis ao grande mercado consumidor.

 

Alguns mecanismos criados pelo direito tentam reduzir este risco, facilitando o exercício da empresa e garantindo uma certa segurança aos empreendedores, que assim podem com maior segurança borbulhar suas mentes com novas ideias.

 

Um dos mais fundamentais exemplos de proteção é a criação de uma personalidade própria à pessoa jurídica constituída para o desenvolvimento da empresa, evitando que o patrimônio pessoal do empresário venha a ser responsabilizado pelas dívidas decorrentes da atividade explorada.

 

Ocorre que muitos enxergaram neste benefício uma janela aberta para a realização de fraudes contra seus credores, em prejuízo à economia geral.

 

Como regra, e com as atenções voltadas à tais fraudadores e aproveitadores, alguns casos existem em que tal personalidade poderá ser desconsiderada, evitando que a defesa se transforme em uma brecha para se eximirem indevidamente de dívidas existentes, o que prejudica toda a legitimidade do instituto. É o que se conhece por Desconsideração da Personalidade Jurídica.

 

Este instituto consiste na declaração de ineficácia de determinados atos, e não na nulidade da personalização, que continuará existindo até mesmo pelo Princípio da Continuidade da Empresa.  

 

Isso quer dizer que para a execução de determinada dívida, se ocorrer a desconsideração, não haverá eficácia a existência de tal personalidade em face ao referido credor, respondendo o patrimônio dos sócios por tais dívidas, como se deles fossem.

 

É uma forma que se mostrou suficiente, ou pelo menos muito efetiva para se coibir fraudes criadas por empresários inescrupulosos, que por sorte não representam a maioria dos grandes empreendedores.

 

Esta medida, por ser uma violação a uma teoria importante para a conservação das empresas, deveria ser aplicada como exceção ao caso concreto. Deveria ocorrer apenas quando houvesse a confusão patrimonial, desvio de finalidade ou mesmo fraude contra credores.

 

Apesar disto não é o que vem acontecendo. Na grande maioria dos casos a desconsideração se dá de forma automática e muitas vezes sem nem mesmo ser dado ao empresário o direito ao contraditório.

 

A doutrina e jurisprudência parecem ter voltado recentemente seus olhos para tais atos arbitrários, por meio da edição de decisões como a referente à Súmula n° 430 do STJ, que limita a responsabilização dos sócios apenas se agirem com abuso de poder ou violação do estatuto, aplicada para dívidas tributárias.

 

A legislação brasileira já vinha tratando sobre o tema em vários dispositivos legais, como se dá com o Art. 50 do Código Civil, que traça a regra geral atual no direito brasileiro, conforme segue transcrito:

 

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

 

Mesmo assim, ainda é comum ver juízes desconsiderando a personalidade das empresas de forma quase que automática, por vezes sem nem mesmo qualquer solicitação da parte contrária, o que é um absurdo, e merece ser combatido.

 

 A desconsideração não é a regra, ela é exceção, de outro modo de nada valem tantos estudos e técnicas voltadas a personalização de tais entidades. Pior, tamanha insegurança e risco nas atividades empresariais poderia por em risco todo o sistema econômico nacional com a redução dos empreendimentos.

 

Talvez faltasse no ordenamento jurídico um diploma processual suficiente para indicar ao magistrado o caminho correto a ser seguido. Que traçasse os ditames básicos ao instituto.

 

Esta situação pode ter seus dias contados, uma vez que está em curso no legislativo o Projeto de Lei n° 3.401/2008, que disciplina o procedimento para que haja a desconsideração da personalidade jurídica.

 

Cabe ressaltar que com a aprovação do aludido projeto, o descumprimento de seus ditames implicará inclusive em violação constitucional do Devido Processo Legal, sendo fundamento sólido para a defesa do empresário, que até a presente data mostra-se quase que de mãos atadas.

 

Apesar de estar voltado para o Direito Processual, com a regulação de mais um procedimento no processo, possui grandes impactos no Direito Empresarial, uma vez que mexe com ponto essencial na vida do empresário, que é o risco da atividade.

 

A primeira grande alteração trazida vem em seu Art. 4º, estipulando de forma expressa que o juiz não poderá decretá-la de ofício, valendo a pena a transcrição do dispositivo:

 

“Art. 4º O Juiz não poderá decretar de ofício a desconsideração da personalidade jurídica.”

 

Parece, a partir deste projeto, incoerente disposições em sentença que desde já determinem a desconsideração da personalidade jurídica como forma direta na fase de execução, afetando indiscriminadamente todos os sócios do empreendimento.

 

De fato, o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica será um incidente processual que deverá correr em autos apartados ao processo onde for solicitado, não podendo ser instaurado antes de ser dada a oportunidade à pessoa jurídica de satisfazer a obrigação ou de indicar os meios pelos quais será executada.

 

Para o início do referido procedimento, será necessária a solicitação efetuada pela parte interessada, normalmente o credor da dívida discutida perante o judiciário, ou pelo Ministério Público.

 

Com relação ao Ministério Público, sua participação será necessária para a regularidade do procedimento, pelo que vem exposto no Art. 5º do referido projeto, que apenas poderá ocorrer a desconsideração após ouvido o Ministério Público.

 

Não bastará, no entanto à pessoa legitimada efetuar o pedido ao juiz. Deverá de fato indicar quais os atos específicos praticados pelo sócio, membro, instituidor ou administrado que poderão ensejar à responsabilização.

 

Tais atos deverão ser adequados aos estabelecidos em legislação específica, não sendo considerado motivo para tanto a mera inexistência ou insuficiência de patrimônio, conforme expressamente dispõe o Art. 5º, §2º do referido projeto.

 

O novo regramento faz questão de estabelecer o conceito próprio dos atos reputados como fraude à execução, de modo a livrar de dúvidas a referida conceituação, o que faz em seu Art. 7º, abaixo transcrito:

 

“Art. 7º Considera-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens pessoais de membros, instituidores, sócios ou administradores da pessoa jurídica, capaz de reduzi-los à insolvência, quando, ao tempo da alienação ou oneração, tenham sido eles citados ou intimados da pendência de decisão acerca do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, ou de responsabilização pessoal por dívidas da pessoa jurídica.”

 

 

Caso a parte não cumpra com a formalidade de indicar os atos praticados, o juiz de imediato deverá indeferir o pedido, extinguindo o incidente processual, seguindo a execução apenas contra a pessoa jurídica.

 

Se observado pelo interessado o procedimento acima abordado, indicando tais atos, o juiz não deferirá ainda a desconsideração, devendo dar aos interessados o direito de apresentarem uma defesa no prazo de 10 (dez) dias, podendo inclusive apresentar provas suficientes para afastar a desconsideração.

 

Esta é uma grande novidade. Trata-se de uma pura e devida aplicação do Princípio Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa, evitando a incômoda surpresa de o mero administrador, agindo dentro dos limites de seus atos ser vítima de uma execução da empresa que representa, num procedimento arcaico e medieval de expropriação de seu patrimônio.

 

Quando várias pessoas físicas forem atingidas pela desconsideração, os autos permanecerão em cartório, e o prazo de defesa contará da citação, quando não figurar a pessoa na lide desde o início, ou intimação, quando já a integrava.

 

Será assegurado às referidas pessoas obter cópias de todas as peças e documentos que solicitar dos autos, e juntar outros novos.

 

Vale destacar que mesmo existentes os motivos para a desconsideração, a mesma não se dará necessariamente de forma integral, afetando todos os sócios. Ela apenas afetará os que praticaram tais atos considerados abusivos, protegendo desta forma o sócio de boa-fé.

 

Não poderá a desconsideração ser baseada em analogia ou interpretação extensiva, devendo estar materializados os atos praticados e previstos em lei.

 

As referidas regras serão aplicáveis para decisões ou atos judiciais de quaisquer órgãos, sempre em casos de imputação de responsabilidade, em caráter subsidiário ou solidário, a membros, sócios, instituidores ou administradores por obrigações das pessoas jurídicas, e será aplicável a todos os processos em curso perante quaisquer órgãos do Poder Judiciário.

 

Esta inovação legislativa encontra-se atualmente aguardando designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, pelo que ainda poderá ser alterada e mesmo não aprovada, mas merece desde já atenção pelas inovações justas a que vem aplicar.

 

Vale ressaltar que o instituto da personalidade jurídica precisa sim ser mantido e respeitado, sendo a sua desconsideração possível, mas nos casos estritos estabelecidos em lei, para evitar a ocorrência de fraudes ou injustiças.

 

Talvez falte ainda um diploma legislativo processual próprio para sanar o problema, sendo a aprovação deste projeto, se efetivada, uma possível e louvável saída.

 

Ademais, discussões surgirão advindas do referido projeto, principalmente no que se refere ao seu âmbito de aplicação, em especial na esfera trabalhista, ambiental e de consumo, que possuem aplicações específicas do instituto, mas a análise da melhor interpretação dependerá primeiramente da devida aprovação e sua conversão em lei.

 

Os empresários e os comercialistas de todo o Brasil aguardam ansiosamente. Acho que falo por todos!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 25ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003

 

Por Filipe Charone Tavares Lopes 

Todos os empresários e sociedades empresárias precisam de um local para desenvolver suas atividade, para tocar a empresa. É o que se conhece no direito como Ponto Empresarial, um elemento de muita importância para o empresário, que passa a constituir sinal distintivo de busca dos clientes e de fornecedores, para a realização dos mais diversos interesses.

 

Muitas vezes o empresário investe de forma impressionante em seu ponto, transformando o que poucos acreditavam ser uma fonte escassa de lucros em uma mina de diamantes pronta para captar receitas resultantes de seu trabalho.

 

O ponto vincula-se ao empresário tornando-se uma forte referência que pode desencadear o seu sucesso ou mesmo seu fracasso.

 

Apesar disto, nem sempre o empresário ou a sociedade empresária possuem o patrimônio imobiliário necessário para a formação de seu ponto, tendo de recorrer ao aluguel de bens de terceiros.

 

Toda esta importância e investimento merece uma proteção do direito, de modo a que eles não vejam seus gastos se perderem frente a eventos decorrentes do término do aluguel.

 

Investir em imóvel alheio não é uma tarefa fácil. Os riscos de perder todo o investimento, bem como de ver toda uma clientela de anos de luta de uma hora para a outra sumir pela simples alteração de um ponto devem ser compensadas por alguma espécie de proteção, que ao menos atenuem tais riscos.

 

O direito proporcionou tal proteção, e ela é muitas vezes forte o suficiente para afetar o próprio dono do imóvel que loca seu ponto para o empresário, ou mesmo pode obrigá-lo a indenizar seu antigo inquilino caso descumpra com o que determina a lei, tornando mais justa e menos pesada a perda do ponto.

 

A princípio, antes de adentrar no que se refere à proteção dada pela legislação ao Ponto Empresarial, convém diferenciá-lo de Estabelecimento Empresarial, já que para os mais desavisados é costume que haja confusão entre ambos, mesmo tratando-se de dois institutos diversos.

 

Cabe ressaltar que a diferença entre ambos é bem nítida ao se adentrar em seu estudo, pois, enquanto o primeiro refere-se ao local propriamente dito em que o empresário explora sua atividade, onde o empresário “mostra sua cara” para a clientela e apresenta-se para a sociedade;  o segundo é mais amplo,  referindo-se à todos os bens utilizados no desenvolvimento da empresa, podendo tais ser eles materiais ou imateriais, ou seja, tudo o que compuser o patrimônio do empresário ou da sociedade empresária.

 

Quando uma pessoa pretende comprar determinado produto em um supermercado, dirige-se ao Ponto Empresarial deste, ou seja, ao local onde o empresário expõe sua atividade ao público. Trata-se do local físico propriamente dito atrelado à atividade desenvolvida.

 

Importante ressaltar que o Ponto Empresarial pertence à pessoa que explora a atividade, e não ao proprietário do imóvel, sendo que ambos consideram-se diversos. O Ponto Empresarial não existe por si só, ele depende do exercício e da exploração da empresa e é fruto dela; uma consequência do trabalho desenvolvido.

 

O empresário poderá exercer o seu direito ao ponto, que doutrinadores como Fábio Ulhoa Coelho costumam chamar de Direito de Inerência ao Ponto[1], mesmo contra o proprietário do imóvel. Isto se dá quando o imóvel é utilizado pelo empresário por força de um contrato de locação, sendo desta forma propriedade do locador, um terceiro em relação à empresa desenvolvida (e aqui utilizo propriamente o conceito de empresa como atividade explorada).

 

Neste caso, é possível que o empresário, antes do término do contrato, inicie a negociação para a renovação, ou mesmo intente uma ação visando este objetivo. É a chamada Ação Renovatória.

 

Esta ação protege efetivamente o direito ao Ponto Empresarial resultante da atividade desenvolvida, motivo pelo qual em caso de sublocação, quem terá o direito à renovação será o sublocatário, que é quem possui efetivamente o ponto.

 

Apenas a título de exemplo para explicar o acima disposto, suponhamos que A seja uma pessoa natural, sendo sócio da sociedade AB LTDA. Agora imaginemos que A firma contrato de locação com C, onde este autoriza a sublocação. Desta forma, A subloca o imóvel para X LTDA, que explora atividade no ponto sublocado. Neste caso, o direito de locação ao ponto será de X LTDA, pois foi ela quem formou toda a estrutura empresarial sobre o local; esta é quem ficou conhecida por sua atividade desenvolvida.

 

Ao sublocador, por outro lado, não assiste o direito à Ação Renovatória, conforme vem sendo determinado pela jurisprudência do STJ, abaixo transcrita:

 

“LOCAÇÃO. DISTRIBUIDORA DE DERIVADOS DE PETRÓLEO. SUBLOCAÇÃO TOTAL AO REVENDEDOR VAREJISTA. ILEGITIMIDADE PARA PROPOR AÇÃO RENOVATÓRIA. LEI 8.245/91. CARÁTER EMINENTEMENTE PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. A distribuidora de petróleo, legalmente impedida de comercializar diretamente seus produtos, que subloca totalmente o imóvel ao revendedor varejista, não possui legitimidade para propor ação renovatória da locação. Precedentes.

2. A Lei 8.245/91 possui caráter eminentemente processual, tendo, portanto, aplicação imediata. O art. 76 da referida norma excluiu de sua égide apenas os processos que já estavam em curso quando da sua entrada em vigor.

3. Agravo Regimental desprovido.”

(STJ – Processo: AgRg no Ag 1132115 PR 2008/0282989-5, Julgamento: 05/10/2010, Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA, Publicação: DJe 03/11/2010)

 

Da mesma forma, se o contrato autorizar que o locatário utilize do imóvel para desenvolver sociedade do qual faça parte, tanto a sociedade quanto o locatário poderão interpor a ação.

 

Ainda exemplificando, tomando por base a situação anterior, imaginemos que o contrato firmado entre A e C autorize que A funcione a empresa AB LTDA no ponto alugado. Neste caso, o direito a interpor a Ação Renovatória será tanto de A quanto de AB LTDA.

 

 Cabe destacar que não é o simples fato de existir um contrato de locação que defere o direito ao empresário de interpor Ação Renovatória. A locação deverá ser considerada como empresarial, sendo necessário para isto que esteja enquadrado em uma série de requisitos estabelecidos no Art. 51 da lei n° 8.245/91. Não estando presentes tais requisitos não poderá ser a locação reputada como empresarial, e por consequência não há o que se falar em renovação compulsória do contrato de locação firmado.

 

O primeiro dos requisitos é que o contrato celebrado seja por escrito, e o prazo estipulado seja determinado.

 

Em verdade, na maioria dos casos não é um bom negócio ao empresário formalizar um contrato por prazo indeterminado, já que estaria de fato vendo o seu vínculo com o locador cessar mediante simples comunicação prévia, quando na maioria dos casos é interesse de quem desenvolve determinado negócio manter-se no local pelo maior período possível de modo a formar seu nome e tornar-se conhecido.

 

Seguido à este, exige-se ainda que a soma dos contratos escritos firmados seja de no mínimo cinco anos, podendo considerar-se preenchidos esses requisitos mesmo quando se der um contrato com prazo superior.

 

É possível formar o prazo de cinco anos pela somatória de vários contratos escritos de menor duração, desde que sejam sucessivos e que a somatória de todos eles tenha duração igual ou superior ao requisito legal.

 

Existe discussão doutrinária no sentido de saber se o lapso temporal que se leva para a assinatura de um novo instrumento escrito pode ser considerado como um impedimento para a formação do direito à renovação compulsória do contrato de aluguel. Muitos julgam estar prejudicado o requisito, uma vez que não seria mais ininterrupto o período entre um contrato e outro.

 

Apesar disto, creio que um curto lapso temporal, de um ou dois meses, sem instrumento escrito não vem a prejudicar a formação do direito à renovação do contrato, pois estará atendido o objetivo do legislador, que é garantir a proteção ao empresário pelo ponto que possui.

 

Vale ressaltar que a demora em se firmar um novo instrumento pode decorrer de impasses para a comunhão de vontades nas bases da renovação, e a obrigação de manter de forma solidamente ininterrupta pode terminar por prejudicar a autonomia da vontade das partes, ou mesmo terminar por beneficiar um locador com má-fé, que segure a renovação do contrato apenas para o seu locatário perder seu direito à renovação.

 

Importante destacar que a exigência de contrato escrito para a renovação é válida para todos os contratos a serem somados para compor os 5 (cinco) anos, mas não exige-se que todos sejam por prazo determinado, mas apenas o último, que será renovado.

 

Desta forma, é possível que a empresa A LTDA firme com B contrato de locação de bem imóvel por prazo indeterminado de forma escrita. Ao fim de três anos, resolvem firmar novo instrumento de contrato por mais três anos, substituindo o anterior, ou seja, desta vez com prazo determinado. Neste caso estarão preenchidos os requisitos de instrumento escrito, prazo determinado do contrato a ser renovado e superior a 5 (cinco) anos de duração.

 

 Por fim, exige-se ainda que o empresário locatário esteja explorando a mesma atividade por pelo menos três anos ininterruptos, prazo este que se considera necessário para que o ponto passe a possuir o valor agregado para lhe deferir o direito à renovação.

 

Apenas a título ilustrativo imaginemos a situação hipotética a seguir: A é empresário e locatário do imóvel de B e atua no ramo de venda de calçados. Ambos firmaram um contrato de locação de quatro anos por um documento escrito. Terminados os quatro anos, os dois renovaram o contrato por mais quatro anos, em um novo documento escrito, mas A passou a explorar a atividade de um bar.

 

No caso acima, quando do término do segundo contrato, ainda assim, teria A o direito de pleitear a renovação do contrato de forma judicial. Ora, o contrato entre ambos foi escrito, a somatória de ambos os contratos é superior a cinco anos, e A encontra-se na mesma atividade há mais de três anos, preenchendo desta forma todos os requisitos.

 

Ou seja, se o contrato for firmado de forma verbal, ainda que destinado ao desenvolvimento de uma empresa, não será ele considerado como uma locação empresarial, por não estar presente o requisito formal exigido em lei, sendo impossível pleitear a renovação compulsória da locação.

 

 Do mesmo modo acontecerá se o contrato a ser renovado for por prazo indeterminado, não tendo o locatário direito à renovação.

 

Importante ainda observar que existe um requisito a mais para a interposição da Ação Renovatória, que muitas vezes passa despercebido a olhares menos atenciosos: a referida ação deverá ser interposta entre um ano e seis meses antes do término do contrato a ser renovado, prazo este decadencial, ou seja, sem suspensão ou interrupção.

 

Por esta regra, no início do último ano de contrato, é importante que o empresário procure o locador, afim de que negociem as bases para a renovação do contrato. Qualquer sinal de impossibilidade nesta renovação deverá autorizar o empresário a interpor a Ação Renovatória, já que se faltarem menos de seis meses para o término do contrato, não mais poderá ajuizá-la.

 

É recomendável que já no início do último ano comece a ser formalizado instrumento escrito que preveja a renovação.

 

Por certo, pequenas e desavisadas empresas muitas vezes deixam esgotar referido prazo  por falta de conhecimento, ou então falta de consulta ao seu corpo jurídico sobre o procedimento a ser adotado para a renovação, passando a preocupar-se com isto em data próxima ao fim, quando já não mais cabe a utilização da Ação Renovatória.

 

O direito à renovação do contrato poderá ser transferido para os cessionários ou sucessores da locação, e mesmo em caso de falecimento de um dos sócios da sociedade empresária, o remanescente, se permanecer no mesmo ramo terá também este direito.

 

Em contrapartida a todos os direitos deferidos ao empresário locatário no que se refere à proteção ao ponto, o direito de renovação do contrato não poderá ser exercido sem limites, já que a propriedade sobre o bem imóvel ainda continua pertencendo efetivamente ao locador, que não poderá ser tolhido integralmente de seu patrimônio em benefício de terceiros.

 

Deve-se lembrar que o direito de propriedade está expressamente garantido na Constituição Federal, elencado entre os direitos fundamentais, devendo desta forma ser observado, sob pena de inconstitucionalidade da norma que discipline em sentido contrário.

 

Por tal motivos é que os Arts. 52 e 72 da lei n° 8.245/91 estabelecem casos em que mesmo preenchidos os requisitos necessário para a Ação Renovatória, poderá exercer o que a doutrina conhece por Direito de Retomada, ou seja, tomar para si o imóvel independente da existência do direito de renovação por parte do locatário. Vale ressaltar que tais casos são meramente exemplificativos, sendo que o caso concreto é que irá determinar quando a renovação estará compatível ou não com o direito de propriedade do locador.

 

Esses argumentos podem ser usados como tese para a contestação de Ação Renovatória proposta pelo locatário, e se devidamente comprovados poderão dar ensejo à improcedência da referida ação, com a retomada do imóvel para o locador mesmo se constantes os requisitos da Locação Empresarial acima elencados.

 

Inicialmente as hipóteses legais para o locador utilizar-se do Direito de Retomada possuem natureza econômica, já que levam em consideração o valor do objeto de locação, a necessidade de reformas e investimentos no imóvel.

 

Por tratar-se de um direito de propriedade, não poderá o locador ver-se prejudicado e amarrado a um contrato em total desconsideração com a realidade do imóvel que possui. O valor do aluguel deverá estar em perfeita consonância com a situação efetiva do bem, levando-se em consideração mesmo as benfeitorias realizadas pelo locatário e que o tenham incorporado.

 

Entender de outra forma representaria um locupletamento indevido por parte do locatário, às custas do patrimônio do locador, que estaria impedido de encerrar um contrato que apenas lhe prejudica.

 

Não bastará, porém, o locador afirmar que o valor do aluguel negociado está abaixo do mercado, deverá manifestar qual quantia entende ser a mais justa e efetivamente comprovar esta situação perante o juízo que decidirá da melhor forma.

 

Ainda tomando por base a situação econômica dos aluguéis incidentes sobre o imóvel, é possível ao locatário exercer seu Direito de Retomada quando houver uma proposta favorável de terceiro devidamente comprovada, facultando ao locatário aceitar a proposta em igualdade de condições para manter o contrato.

 

Por fim, incide ainda sobre o valor econômico do bem o caso de o locador exigir a retomada do imóvel para a realização de investimentos sobre o mesmo e de obras que lhe aumentem o valor. De outra forma, seria impedir que o locador pudesse investir em sua propriedade em afronta direta ao seu direito constitucional.

 

Importante estabelecer que neste caso, deverá o locador apresentar projeto das obras que pretende realizar.

 

Além das situações econômicas acima destacadas, o Poder Público poderá eventualmente determinar a realização de reformas ou obras sobre o imóvel, sendo este caso mais uma das hipóteses em que poderá ser requerida a retomada pelo locador.

 

Por fim, salvo nos casos de contrato de Shopping Center, poderá por razões pessoais o locador pleitear o imóvel, em duas hipóteses distintas.

 

A primeira delas se dá quando pretende utilizar do seu bem para uso próprio. De fato seria um absurdo que a legislação impedisse o locador de utilizar seu bem para benefício do locatário.

 

O segundo caso seria quando o locador tivesse interesse em transferir estabelecimento empresarial seu, de seu cônjuge, ascendente ou descendente para o imóvel objeto de contrato, sendo exigido que possuam a maioria do capital.

 

Neste último caso exige-se que a atividade do estabelecimento transferido seja diversa da do locatário, bem como que o estabelecimento empresarial já exista há mais de um ano, salvo se fazia parte do contrato de locação não apenas o imóvel, mas todo o estabelecimento empresarial.

 

Mesmo se forem acolhidos tais argumentos, e julgada improcedente a ação para renovação do contrato, determinando a retomada do imóvel ao locador, este fato pode vir a implicar em indenização ao locatário que atendia os requisitos para a Locação Empresarial.

 

Como regra, será cabível a referida indenização se o locador não iniciar a execução do destino que afirmou que daria ao imóvel em pelo menos 3 (três) meses contados da sua entrega. Esse é o posicionamento  que vem sendo confirmado pelo STJ, conforme disposição abaixo transcrita:

 

“DIREITO CIVIL. LOCAÇÃO COMERCIAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. RETOMADA DO IMÓVEL COMERCIAL PARA USO PRÓPRIO. RENOVAÇÃO DO CONTRATO NEGADA. DESTINAÇÃO DO BEM DIVERSA DA ALEGADA. INDENIZAÇÃO DO ART. 52, INCISO II, DA LEI N.º 8.245/91. CABIMENTO. CUMULAÇÃO COM A MULTA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 44. INVIABILIDADE. HIPÓTESE DOS AUTOS QUE NÃO SE SUBSUME ÀS PREVISTAS NO ART. 44. 1.

Ocorrendo a destinação diversa da alegada, para o imóvel retomado para uso próprio, nos termos do art. 52, inciso II, da Lei de Locações, tem o Locatário direito à indenização prevista no § 3.º do mencionado artigo. 2. É inviável a cumulação da indenização do § 3.º do art. 52 da Lei n.º 8.245/91 com a multa do art. 44, parágrafo único, da mesma lei, quando o Locador, a despeito de negar a renovação do contrato locatício com fundamento no uso próprio do imóvel, lhe dá destinação diversa, na medida em que esse caso não se subsume a nenhuma das hipóteses previstas nos incisos do referido art. 44. 3. Recurso especial desprovido.”

(STJ – Processo: REsp 969995 PR 2007/0170059-9, Julgamento: 26/08/2010, Órgão Julgador: T5 – QUINTA TURMA, Publicação: DJe 13/09/2010)

 

Da mesma forma, caberá indenização se a retomada se deu pela existência de proposta melhor de terceiros, uma vez que o locatário estará sujeito à perda de seu ponto já constituído.

 

Além destes casos estabelecido em lei, é possível que haja uma indenização pela perda do ponto quando decorra alguma violação da boa-fé contratual, seja ela subjetiva ou mesmo objetiva, como aconteceria se o locador passasse a explorar a mesma atividade do locatário, aproveitando-se do nome já formado por aquele para captar clientes.

 

A indenização a ser aplicada deverá levar em consideração os prejuízos efetivamente sofridos, bem como tudo o que o locador deixou de lucrar pela mudança decorrente da retomada.

 

O direito ao ponto é uma importante ferramenta para a garantia do empresário, e se utilizada em conformidade e em perfeita harmonia com o direito de propriedade do locador pode representar um forte mecanismo na defesa de interesses que superam inclusive os das partes envolvidas, para alcançar um nível até mesmo social, promovendo o desenvolvimento de todo o empreendimento, devendo o profissional do direito ater-se aos seus pormenores, compreendendo o instituto para facilitação das relações locatícias empresariais.

 

Referências Bibliográficas:

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3ª Ed. atual.  São Paulo: Atlas, 2003.

 

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de Direito Empresarial Brasileiro. Campinas: LNZ, 2004.

 

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 25ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003.

 

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª ed. rev. ampl. atual. Salvador: Jus Podivm, 2009.


[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1, 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 103

por Filipe Charone Tavares Lopes

Já era a hora de o Brasil, assim como ocorreu em outros países, autorizar que uma pessoa natural pudesse criar uma empresa com patrimônio diverso do seu sem a necessidade da busca de um novo sócio.

Ocorre que foi publicada em 12 de julho de 2011 uma lei que altera alguns dispositivos do Código Civil para passar a admitir a criação da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.

Antes da elaboração desta lei, o Empresário Individual propriamente dito era considerado como aquela pessoa natural que desenvolve determinada empresa com seu próprio patrimônio e próprio risco.

O patrimônio pessoal deste empresário confundia-se com o utilizado no empreendimento, permitindo-se execução mesmo sobre seus bens pessoais por dívidas decorrentes da atividade desenvolvida. Não existia uma personalidade jurídica própria para este ente.

Esta situação era um temor para o empreendedor que tinha que responder pessoalmente pelos riscos de sua atividade, que no país em que vivemos são demasiadamente elevados, ainda que agindo integralmente dentro da lei, devido à pesada carga tributária sem retorno de serviços públicos eficientes, tornando este princípio constitucional em muitos casos um mero enfeite de nossa Carta Magna, bem como pelo excesso decorrente de legislações sociais que tornam mais difícil contratar, e mesmo pela morosidade de nosso judiciário, que acaba por beneficiar os maus pagadores em uma simples ação de cobrança.

Ao empresário restava simplesmente procurar por um sócio com quem pudesse dividir esses riscos, sócio este muitas vezes indesejado, tornando o affectio societatis mais um dos nossos muitos enfeites jurídicos: bonitos para quem olha, mas sem utilidade prática. Muitas vezes era determinado em contrato percentagem simbólica à este sócio, apenas para poder constituir uma sociedade limitada.

Isto se dava, pois nosso ordenamento jurídico não permitia a formação de uma sociedade unipessoal, salvo em casos excepcionais, como o da subsidiária integral, ou em situações meramente temporárias. A única forma de separar o patrimônio social do pessoal seria a constituição de uma sociedade.

O problema parece ter sido amenizado pela aprovação da Lei n° 12.441/11, que passa a introduzir em nosso ordenamento jurídico a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada,  permitindo que a pessoa natural apenas constitua uma sociedade quando efetivamente seja esta a sua vontade.

A nova legislação sofreu apenas um veto, no que se refere ao seu §4º, que determinava a impossibilidade de responsabilização patrimonial do proprietário em qualquer hipótese, apenas podendo ser atingido o patrimônio da pessoa jurídica.

O veto, data venia posições contrárias, foi devido, uma vez que o texto da forma em que estava terminava por prejudicar as hipóteses necessárias de desconsideração da personalidade jurídica, e afirmamos isto mesmo sendo fortemente favoráveis à aplicação desta desconsideração apenas nos casos estritamente determinados em lei.

De outra forma seria privilegiar sem barreiras a formação de fraudes, sendo que a desconsideração da personalidade jurídica é necessária dentro das hipóteses legalmente cabíveis.

O que espera-se é que juristas mal intencionados não venham a usar este veto como uma bandeira para sustentar a desconsideração sem limites da personalidade jurídica destes novos empresários, sob pena de cair por terra todos os benefícios do instituto, em um grave prejuízo social.

Mesmo assim, importante observar que permanece a divisão patrimonial do proprietário e o do empreendimento desenvolvido, uma vez que a nova lei expõe de forma expressa que as normas inerentes à sociedade limitada lhe serão aplicadas de forma supletiva.

Antes da edição desta lei, o Empresário Individual não era considerado uma pessoa jurídica, mas sim uma pessoa natural, o que era muito confundido por grande parte dos operadores do direito.

A partir do novo instituto legislativo, acrescenta-se o inciso VI no Art. 44 do Código Civil, passando desta forma a constar de forma expressa o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada como uma pessoa jurídica de direito privado, passando a aludida legislação a ter o texto que se segue:

“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações;

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos;

VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.”

 

Agora não há o que ser discutido, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada será sim considerada como uma pessoa jurídica para todos os efeitos, não mais podendo ser reputado como uma pessoa natural.

Talvez possua apenas uma impropriedade terminológica, já que segundo a Teoria da Empresa, será considerada como Empresa a atividade explorada e não a pessoa jurídica que a desenvolva. Possivelmente poderia ter sido suficiente incluí-la dentre os tipos societários já existentes como uma Sociedade Unipessoal ou mesmo chama-la de Empresário Individual de Responsabilidade Limitada, ou simplesmente Empresário de Responsabilidade Limitada, reduzindo assim o tamanho da sigla aplicada.

Interessante apenas observar que mesmo assemelhando-se às pessoas jurídicas, o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada não será considerado pelo nosso ordenamento como uma Sociedade Empresária, não havido desta forma, em nossa lei, o que se falar em Sociedade Unipessoal. Será considerada outra pessoa jurídica, uma vez que encontra-se em inciso diverso das sociedades.

No que se refere à sua organização, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada deverá dar-se com uma única pessoa como titular da integralidade do capital, sendo que o valor deste não poderá ser inferior à 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no país, logo percebe-se que não foi abrangido pela aludida lei para todos os casos,  havendo um limite para a opção por esta forma de pessoa jurídica.

Neste ponto, acreditamos que a legislação reduziu o campo de atuação mais do que devia, pois ainda deixa de fora os empresários de menor porte, ou com menos volume de capital, que ainda responderão pessoalmente pelas dívidas adquiridas.

Com relação ao Nome Empresarial, ou seja, o sinal distintivo do empresário, que o identifica nas suas realizações empresariais e contratuais, este poderá ser adotado na modalidade firma, ou seja, aquele constituído pelo próprio nome da pessoa natural que a constitui, ou por sua abreviação; ou denominação,  ou seja, um nome distinto do nome da pessoa natural que é proprietário do empreendimento.

Trata-se de uma grande novidade, já que os empresários individuais pelo regramento anterior apenas poderiam ter o nome do tipo firma, restando a denominação para as sociedades empresárias.

Para a sua identificação e distinção, o nome empresarial adotado deverá conter como sinal distintivo a expressão “EIRELI” após a firma ou denominação adotada.

Seriam exemplos de nome empresarial para Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada do tipo firma: João Antônio Pereira EIRELI, ou então J A Pereira EIRELI, ou ainda J A Pereira Comercial EIRELI; do tipo denominação é exemplo: Bom Bocado Comercial EIRELI.

Mesmo com a nova legislação, mantém-se a proibição de que o proprietário da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada tenha outra empresa nesta mesma modalidade, de onde diferencia-se das Sociedades Empresárias, já que o sócio de uma destas poderá ter outro empreendimento sem maiores problemas.

Outro aspecto positivo trazido pela nova lei resulta no fato de que uma sociedade limitada, caso deixe de possuir a pluralidade de sócios poderá ser transformada em uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.

No diploma anterior isto implicava numa verdadeira corrida contra o tempo por parte do sócio remanescente, que tinha que procurar desesperadamente por um novo sócio, sob pena de ver sua sociedade extinta caso permanecesse nesta condição, de apenas um sócio, por mais de 180 (cento e oitenta) dias.

Era uma norma precária e incompleta, que parece ter sido corrigida, ou ao menos melhorada e facilitada, permanecendo a “corrida maluca” pela busca de um novo sócio caso a sociedade possua o capital em valor inferior ao exigido para a constituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada.

A nova legislação ainda vai precisar ter sua regulamentação, principalmente no que se refere ao procedimento de registro de empresa a ser adotado, e ainda não está em vigor, já que foi determinado no próprio corpo da lei o prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que passe a viger.

Apesar disto, mesmo com as limitações ainda existentes, representou um avanço, e uma tentativa, ainda que moderada de incluir uma personalização à empresa exercida pelo Empresário Individual, de modo que tudo o que venha para facilitar o direito e promover o progresso deverá ser festejado.

Por Filipe Charone Tavares Lopes

O descumprimento das obrigações constantes nos títulos de crédito é um grave problema que contribui significativamente para a redução de sua aceitação no comércio em geral. 

É necessário muitas vezes que o direito encontre meios suficientes para garantir ao credor o recebimento de seu crédito, ou pelo menos medidas que dificultem a ocorrência de fraudes e de “calotes”.

Um dos meios encontrados é a adoção de cláusulas de garantia, que podem incidir sobre bens ou simplesmente repassar para outras pessoas a obrigação que inicialmente pertencia à determinado devedor.

Existe uma cláusula de caráter eminentemente cambiário, incluída neste sentido no próprio corpo do documento, em observância dos princípios básicos dos títulos de crédito. Trata-se do aval.

Por meio de sua inclusão no título, acrescenta-se um novo obrigado. Surge a figura do avalista, que é aquele que, mesmo que não tenha vinculação originária ao débito, passa a ser também responsável pela obrigação garantida, igualmente à pessoa avalizada. O credor poderá cobrar de ambos de forma idêntica.

O aval encontra seu regramento legal incluído no Art. 30 da Lei Uniforme, conforme abaixo encontra-se destacado. 

“Art. 30. O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte garantido por aval.

Esta garantia é dada por um terceiro ou mesmo por um signatário da letra.”

Apesar disso, não poderá ele ser dado de forma parcial, de acordo com o que dispõe o Art. 897 do Código Civil, abaixo transcrito:

“Art. 897. O pagamento de título de crédito, que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por aval.

 

Parágrafo único. É vedado o aval parcial.”

Por outro lado é autorizada a realização de avais parciais nos títulos regulados por lei específica, como se dá com a Letra de Câmbio ou a Nota Promissória, que seguem a regra constante na Lei Uniforme.

Como instituto cambiário que é, deverá observar algumas características legalmente estabelecidas para que ocorra.

Para a sua regularidade formal, o aval deverá ser inscrito no próprio corpo do título, não surtindo seus efeitos se efetuado em instrumento apartado.

Poderá dar-se em preto, quando identificada a pessoa avalizada, ou em branco, quando não constar esta informação. Caso não indique o avalizado, este será considerado o sacador.

Formaliza-se por meio da inclusão da assinatura do avalista no anverso do título. Nada impede que sua inclusão se dê no verso do documento, mas neste caso não será suficiente a simples assinatura, devendo anunciar de forma expressa tratar-se de um aval, sob pena de ser confundido com um endosso.

Existem algumas regras relevantes com relação à inclusão de vários avais em um título, de outra forma poderia causar confusão. Deste modo convém tecer algumas palavras sobre esta situação específica.

Inicialmente, em caso de avais em branco superpostos eles serão considerados simultâneos, conforme expressa a Súmula 189 do STF.

“SÚMULA Nº 189

 

AVAIS EM BRANCO E SUPERPOSTOS CONSIDERAM-SE SIMULTÂNEOS E NÃO SUCESSIVOS.”

Todos os avalistas simultâneos serão solidariamente responsáveis pela obrigação inscrita no título. Apesar disso, caso um deles venha a pagar a dívida integral, poderá cobrar o valor, abatida a sua quota parte, dos demais avalistas simultâneos, conforme jurisprudência abaixo destacada:

“AVAL. AVAIS EM BRANCO E SUPERPOSTOS SE PRESUMEM SIMULTANEOS E NÃO SUCESSIVOS, SEGUNDO JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O AVALISTA PAGANTE PODE PROPOR AÇÃO DE REEMBOLSO CONTRA OS OUTROS AVALISTAS, NA PROPORÇÃO DA RESPECTIVA COTA, POIS, DIVIDE-SE ENTRE ELES A RESPONSABILIDADE PELO DÉBITO CAMBIAL QUE GARANTIRAM.” (STF – RECURSO EXTRAORDINÁRIO: RE 51443, Relator(a): GONCALVES DE OLIVEIRA, Julgamento: 31/12/1969, Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Publicação: ADJ DATA 02-05-1963 PP-00249 EMENT VOL-00530-02 PP-00663 RTJ VOL-00027-01 PP-00079)

Por outro lado, existem ainda os avais sucessivos, que se dão quando um terceiro avaliza a obrigação de outro. É o avalista que garante a obrigação de outro avalista.  Neste caso, ambas as obrigações serão autônomas.

A primeira vista, pode-se confundir o aval com o instituto civil da fiança, mas os dois possuem diferenças claras pois enquanto esta é dependente da obrigação principal, representando um mero acessório daquela, o aval é uma obrigação autônoma que perdurará mesmo que algo faça deixar de existir a obrigação garantida pelo aval.

Ainda em decorrência de sua autonomia, o aval continua válido mesmo se for declarada nula a obrigação que ele garante.

Devido à autonomia das obrigações cambiárias, poderá haver aval mesmo em uma obrigação ainda não constituída, como quando se garante um crédito ainda não aceito. É chamado de aval antecipado.

Nestes casos a doutrina diverge no que se refere à situação do aval caso não chegue a se realizar a obrigação avalizada. Há quem entenda tornar-se sem efeito, por outro lado, existem posições no sentido de que será plenamente válido devido à sua autonomia.

O estudo do aval como garantia do crédito inscrito no título é essencial para a manutenção desses documentos cambiários, e de análise elementar pelo operador do direito, uma vez que como segurança do credor, adiciona um novo obrigado ao título, aumentando as possibilidades de quitação da obrigação documentada.

BIBLIOGRAFIA:

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol.1. 7ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3ª Ed. atual.  São Paulo: Atlas, 2003

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de Direito Empresarial Brasileiro. Campinas: LNZ, 2004

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 25ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª ed. rev. ampl. atual. Salvador: Jus Podivm, 2009

Por Filipe Charone Tavares Lopes

O Título de Crédito é o documento necessário e suficiente para a configuração e cobrança de um crédito nele inscrito de forma literal e autônoma. Como regra, caso o aludido documento venha com a especificação de seu destinatário, este será considerado o seu beneficiário, devendo ser a ele pago o valor inscrito.

Apesar disso, o crédito necessita circular para garantir a efetividade do dinheiro, diminuindo os riscos entre trocas. Nesses casos, poderá ser determinada a substituição do beneficiário por meio de um instituto cambiário específico, o Endosso, e sua utilização dá origem a dois novos sujeitos na relação cambiária: o Endossante, que transmite o crédito, e o Endossatário, que passa a ser o novo credor.

Como regra, não existe limitação quantitativa para a realização de Endossos. Para que ocorra basta que o endossante faça constar sua assinatura no verso do título.  Nada impede também que se dê a transmissão por meio de inscrição no anverso, mas neste caso deverá expressamente informar tratar-se de endosso, sob pena de ser confundido com outro instituto cambiário. Não será válido se realizado em documento separado, ainda que firmado por instrumento público.

Por outro lado, caso falte espaço para a realização de novos endossos, poderá ser acrescentada uma extensão ao documento anexando uma nova folha, chamada de alongue ou folha de alongamento.

Uma vez efetuado, o endosso gera uma série de efeitos. O primeiro deles é a transferência do crédito, mas também junto com ele ocorre uma transmissão da garantia do cumprimento. Vincula-se o endossante ao pagamento do débito que foi repassado para o endossatário, tornando-o coobrigado juntamente com o emitente do título. Vale ressaltar que a lei permite a inserção de cláusula “sem garantia”, eximindo o endossante desta responsabilidade.

Como regra devem os títulos circular à ordem, podendo ser transmitidos por via do Endosso. Apesar disso a inserção de cláusula não à ordem, é autorizada para títulos como a Letra de Câmbio. Neste caso o crédito apenas poderá ser transferido por meio da cessão civil de crédito.

Não se deve confundir os institutos. Enquanto o endosso é um ato unilateral feito necessariamente na forma escrita, gerando obrigações autônomas; a cessão civil do crédito é um contrato bilateral, podendo der formado por qualquer forma em direito admitida, inexistindo qualquer autonomia entre as obrigações formadas.

O Código Civil, em seu Art. 912, determina que não poderá o endosso ser parcial. Desta forma, qualquer inclusão neste sentido será considerada nula. Considera-se ainda não escrita qualquer condição atrelada ao endosso, conforme destacado abaixo.

“Art. 912. Considera-se não escrita no endosso qualquer condição a que o subordine o endossante.

Parágrafo único. É nulo o endosso parcial.”

O endosso pode ser considerado em dois tipos: o próprio, que transmite a propriedade e responsabilidades do crédito, e o impróprio, que não transmite a titularidade do crédito e obrigações sobre o mesmo.

Poderá ainda ser o endosso dado em preto ou em branco. No primeiro é delimitado para quem o crédito está sendo transferido, já no segundo apenas constará a simples assinatura do endossante, sem fazer referência a quem é o endossatário. Neste último caso passará o título a circular com se fosse ao portador. 

Quando adotada a modalidade em preto, o nome do endossatário deverá constar de forma expressa acima do nome da assinatura do endossante, podendo dar-se tanto no verso do documento, quanto na frente. Neste caso deverá informar de forma expressa tratar-se de um  Endosso,  para não ser confundido com outro instituto cambiário.

Aquele que receber o título em branco poderá transformá-lo em endosso em preto, completando o documento por conta própria e repassá-lo desta forma; poderá endossar em branco mais uma vez, apenas constando sua assinatura no título; poderá ainda simplesmente entregar o título ao novo credor, sem incluir seu nome na relação cambiária.

Em determinados casos, torna-se difícil para o credor efetuar a cobrança de seu crédito na data constante no título, seja por motivo de viagem ou por outra situação alheia a sua vontade. Nada impede que nesses casos ele autorize um terceiro a receber este crédito, dando quitação ao débito.

Tal autorização precisará dar-se por escrito, no próprio corpo do título, com a inclusão de expressões como “Pague-se por procuração à” ou outra no  mesmo sentido.. É conhecido como Endosso-Mandato.

Quando inserida, o devedor apenas poderá alegar as exceções pessoais que tenha contra o endossante, uma vez que permanece com este o crédito.

Esta forma de endosso não se extingue com a morte do endossante ou pela sua incapacidade superveniente, sob pena de tornar inseguro o pagamento feito pelo devedor a pessoa devidamente autorizada no título, o que entraria em contradição com relevantes princípios do direito.

O Endossatário-Mandatário poderá realizar novos endossos neste título, mas apenas o fará na qualidade de procurador, não podendo, desta forma, transferir o crédito.

Outro tipo especial é o endosso-caução, que é aquele dado em garantia de uma obrigação existente, constituído pela entrega do título ao credor da dívida que gerou a caução, bem como com a inscrição no título da expressão: “Dá-se em garantia” ou algo semelhante.

É o penhor sobre o título de crédito. Cumprida a obrigação que deu origem à cláusula de garantia, o título retornará para o endossatário. Se não for cumprida, o endossatário passará a ser o titular do crédito, e não mais mero detentor de um endosso-caução.

Por fim, existe ainda o Endosso Tardio, que se dá com a transferência do título após ter decorrido o seu vencimento. Mesmo nesta condição ele transfere a titularidade e responsabiliza o endossante, apesar disso a transferência será considerada apenas como uma cessão civil de crédito.

Estabelecidas estas principais considerações sobre este instituto cambiário vale destacar a sua importância, já que possibilita a circulação de forma mais dinâmica do crédito inscrito no título, pelo que é relevante que o operador do direito volte suas atenções para os detalhes desta transferência, oque pode fazer a diferença quando da cobrança do crédito.

BIBLIOGRAFIA:

COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol.1. 7ª ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2003

FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3ª Ed. atual.  São Paulo: Atlas, 2003

OLIVEIRA, Celso Marcelo de. Tratado de Direito Empresarial Brasileiro. Campinas: LNZ, 2004

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 1º vol. 25ª ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2003

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª ed. rev. ampl. atual. Salvador: Jus Podivm, 2009

Por: Filipe Charone Tavares Lopes

O dinheiro foi o meio encontrado pelo homem para promover a troca riquezas, sendo este considerado o bem mais fungível dentre os demais, já que com a sua circulação não ocorre comprometimento de seu valor, ou de sua qualidade, sendo sempre aceito na formalização das mais variadas transações.

Apesar disso, com a necessidade de viagem à locais distantes, os riscos de carregar tais valores eram cada vez maiores na medida em que tornavam-se mais complexas as atividades desenvolvidas, ocorrendo muitos casos de roubos em estradas com danos irreparáveis aos negociantes.

Era preciso uma solução que permitisse essa circulação sem ocasionar risco da perda desses valores, uma forma mais segura de promover a circulação de riquezas. A solução encontrada foi a emissão de Títulos de Crédito representativos dos valores negociados, de fácil troca e circulação.

Foi de Cesare Vivante a conceituação que mais perfeitamente explicou o que seriam esses títulos, tanto que teve a maior aceitação em sede doutrinária. Para ele os títulos de crédito representam o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido.

O Código Civil veio adotando esta conceituação, ao estabelecer em seu art. 887 o que se segue:

 

“Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.”

A perfeição deste conceito deve-se ao fato de estarem presentes os princípios mais característicos deste instituto, os quais o estudo é de extrema importância para a solução dos casos concretos.

Os princípios constantes no conceito de Vivante são três: a Cartularidade, Literalidade e Autonomia, cada um com características próprias, havendo doutrinadores que afirmem que o princípio da autonomia ainda poderá se subdividir em abstração e a inoponibilidade das exceções pessoais à terceiros de boa-fé.

Pelo Princípio da Cartularidade, trazido na expressão “documento necessário ao exercício do direito”, o título de crédito é representado por uma cártula, ou seja, um documento cujo porte e exibição é elemento essencial, sem o qual não poderá o devedor ser cobrado. Não existe o direito de crédito se não houver o documento.

Apesar disso, com os avanços das técnicas empresariais, e a modernização decorrente principalmente dos avanços da informática, este princípio vem sendo interpretado de forma mais flexível, ocorrendo a desmaterialização dos títulos de crédito para a perfeita adequação aos novos sistemas.

Atualmente existe atividade de crédito mesmo sem a emissão de qualquer documento, como ocorrem com as duplicatas virtuais. Mais do que isso, com a instituição do processo eletrônico, basta a digitalização do título, sendo a sua exibição uma mera faculdade a ser solicitada pelo juiz, e não mais um requisito essencial para a continuidade do processo.

Algumas decisões jurisprudenciais já ilustram esta flexibilização, conforme segue transcrita.

“APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TITTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. COMPRA E VENDA MERCANTIL. VÍNCULO CONTRATUAL. DUPLICATAS. ENTREGA EFETIVA E RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. ACEITE POR PRESUNÇÃO. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DOS TÍTULOS AO SACADO PARA ACEITE. DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETOS BANCÁRIOS. POSSIBILIDADE.

 

1. Demonstrados o vínculo contratual e a efetiva entrega e recebimento das mercadorias, desnecessária a prova da remessa das duplicatas ao sacado para viabilizar o protesto da cambial.

 

2. Em virtude do instituto do protesto por indicação e tendo em vista a desmaterialização dos títulos de crédito, a emissão de duplicata em suporte papel para a cobrança do crédito é plenamente dispensável, sendo de praxe comercial a utilização de boletos bancários para esse fim.”

 

(TJPR – Apelação Cível: AC 2868608 PR 0286860-8, Resumo: Apelação Cível. Relator(a): Fernando Wolff Bodziak, Julgamento: 10/10/2005, Órgão Julgador: 14ª Câmara Cível)

Parece representar um avanço para a desburocratização do procedimento de execução de tais títulos, apesar de ainda mostrar-se controvertido, por poder resultar em insegurança jurídica, uma vez que nada impede que o título continue em circulação mesmo após proposta a ação de execução.

O segundo princípio é o da Literalidade, trazido pela inclusão da palavra “literal” no conceito clássico, segundo o qual o crédito cobrado deverá ser idêntico ao valor constante no título, ou seja, não poderá ser cobrado nem mais e nem menos do que está inscrito no documento.

Qualquer obrigação, mesmo que essencial ao liame material entre as partes e decorrente do contrato que deu origem ao título, se não estiver nele inscrita não poderá ser por ele exigida, devendo haver uma discussão fática em processo de conhecimento.

Na aplicação de tal princípio deve-se dar preferência para a importância escrita por extenso, caso haja qualquer divergência de valores.

Por fim, existe ainda o Princípio da Autonomia, pelo qual o título passa a constituir ele próprio uma obrigação, imune a qualquer outro vício não incidente sobre o próprio documento, mesmo que decorrente da relação jurídica que lhe deu origem.

Deste princípio parte da doutrina afirma surgirem dois outros, que seriam a Abstração e o da Inoponibilidade das Exceções Pessoais aos Terceiros e Boa-fé, apesar disso, ambos parecem mais com importantes características da autonomia do título.

Pela abstração, a partir do momento que o título é colocado em circulação ele poderá ser exigido independente de qualquer situação fática, ainda que esta situação tenha dado origem à formação do título. Apenas poderá ser discutida a regularidade na emissão do documento e não mais a relação que lhe deu origem.

Caso ocorra a prescrição do título ele perderá a característica da abstração, mas ainda poderá ser cobrado. Neste caso deverá dar-se por meio de uma ação de conhecimento para este fim, onde a natureza do débito será amplamente discutida.

 Os títulos de crédito possuem ainda a característica de não se poder alegar contra terceiros de boa-fé qualquer exceção pessoal que exista em face de outro credor, o que acontece como forma de garantir a segurança jurídica da negociação.  

Importante ressaltar que aqui fala-se em exceções pessoais, pois se estas incidirem sobre o próprio título, ou qualquer formalidade inerente a ele, elas poderão sim ser opostas.

Além disso, importante estabelecer que deverá o terceiro estar de boa-fé, uma vez que se este tinha conhecimento das exceções, mas mesmo assim a circulação do título foi realizada com o intuito de fraudar a aplicação desta exceção, a transmissão do crédito estará eivada de vício, pelo que poderá ser alegada a referida exceção.

Tais princípios, ainda que flexibilizados para adaptação das exigências das transformações legais e fáticas no mundo dos negócios, são basilares ao estudo do Direito Cambiário, sendo seu conhecimento de vital importância para a formação doutrinária do operador do direito, sendo que o documento, se não estiver enquadrado nesses princípios não será reputado como um título de crédito perfeito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003

 

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª Ed. Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPodivm, 2009

 

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.2. São Paulo: Saraiva, 2003

 

Por Filipe Charone Tavares Lopes

Quando um grupo de pessoas constitui uma sociedade e opta por um tipo societário como o de uma sociedade limitada, esta nova pessoa jurídica que se forma da conjunção de tais vontades passa a adquirir uma “vida” independente de seus sócios, contraindo obrigações e direitos autônomos que os próprios sócios individualmente não possuem, havendo mesmo uma verdadeira divisão patrimonial, tanto que tal empresa poderá sobreviver mesmo frente a morte de um de seus sócios.

Essa personalidade jurídica, mais especificamente a separação patrimonial, é que dá aos sócios uma maior segurança e melhor margem para investir em atividades mais arriscadas e muitas vezes mais necessárias para a economia e para a própria nação como um todo, com a geração de inúmeros empregos e arrecadação de maiores tributos, sem falar em maiores destaques do país frente a economia internacional.

Apesar disso, caso não queira ou mesmo não consiga um sócio para a constituição desta sociedade, o empreendedor, cheio de idéias inovadoras, vai ter de se conformar com seu registro como um empresário individual, passando a arriscar seu próprio patrimônio na atividade desenvolvida, por mais complicada que seja.

Esta situação da legislação brasileira termina por incentivar a inclusão de sócios que atuam como meros prestadores de capital, muitas vezes com porcentagem mínima em sua constituição, ou mesmo sem efetiva participação, cujo nome apenas consta no contrato social por “mera formalidade”.

Esse sócio, mesmo não atuando diretamente na vida societária, se vê a mercê, muitas vezes até mesmo sem saber, de execuções promovidas contra a empresa, sem qualquer meio defesa.

Tudo isso, lógico, sem levar em consideração as enormes exigências burocráticas a que estão sujeitos os sócios no momento da alteração contratual, ou mesmo o travamento de discussões judiciais que acabam por ceder direitos a sócios que efetivamente nunca participaram na sociedade.

Tal fato se dá porque no direito brasileiro o ato de constituir uma sociedade representa o interesse mútuo de pelo menos duas pessoas em compartilhar esforços e capital para a realização de um fim comum objetivando dividir os resultados. Esse conceito pode ser retirado da própria leitura do Art. 981 do Código Civil, e consagra como requisito principal a pluralidade de sócios para a existência de uma sociedade, conforme abaixo se segue:

 

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”

 

Admite-se a manutenção de sociedade com apenas um sócio em apenas dois casos no direito brasileiro: o primeiro deles é o caso de sociedade anônima subsidiária integral, constante no Art. 251 da Lei n° 6.404/76, que se constitui apenas por meio de escritura pública quando uma companhia brasileira adquire todas as ações de outra sociedade anônima; o segundo caso é temporário, e está estabelecido no Art. 1033 do Código Civil, ao autorizar a manutenção de uma sociedade com apenas um sócio pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, após o qual a mesma será dissolvida.

Pela atual regra, um evento simples e totalmente previsível, como a morte de um sócio pode tornar-se uma dor de cabeça incalculável na necessidade de procurar um novo sócio, quando por óbvio, seria ideal a simples transformação em uma sociedade unipessoal.

Tal situação está passível de mudança, uma vez que está em trâmite, na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 4.605/09, que visa a inclusão do Art. 985-A ao Código Civil, introduzindo a figura da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRL) e autorizando a separação patrimonial, facilitando desta forma a iniciativa do empresário no desenvolvimento de sua atividade, conforme abaixo transcrito:

 

“Art. 985-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única empresa dessa modalidade.

§ 1º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.

§ 2º A firma da empresa individual de responsabilidade limitada deverá ser formada pela inclusão da expressão “EIRL” após a razão social da empresa.

§ 3º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio pessoal do empresário, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue à Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda.

§ 4º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada os dispositivos relativos à sociedade limitada, previstos nos arts. 1.052 a 1.087 desta lei, naquilo que couber e não conflitar com a natureza jurídica desta modalidade empresarial.”

 

Não há que se temer a possibilidade de fraudes decorrente da personalização, uma vez que o direito já possui meios suficientemente claros de se coibir essas fraudes, por meio da correta aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

De fato, muitos outros países já adotaram com sucesso o mesmo sistema pretendido por este projeto, dentre eles pode-se destacar a França, Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Estados Unidos.

Caso referido projeto seja convertido em lei os benefícios serão muitos, reduzindo formalidades injustificadas de nossa legislação, gerando novos horizontes com a maior segurança para o desenvolvimento de determinadas atividades, geração de novos empregos e novas fontes tributárias, além de eliminar a inclusão de sócios “formais” nos contratos sociais e reduzir situações jurídicas que apenas podem ser descritas como burocráticas.

Teremos aí um grande avanço para o direito empresarial, com reflexos significativos no desenvolvimento do país, apesar de não estarmos com bons ventos para aproveitar os benefícios de uma separação patrimonial, com a constante banalização da desconsideração da personalidade jurídica, em especial em nível trabalhista.

 

Por: Filipe Charone Tavares Lopes

O acesso ao Poder Judiciário para a solução dos conflitos jurídicos é um direito básico inerente ao Estado Democrático de Direito, e como tal, deveria constar de uma justiça gratuita e eficaz para todos, de livre acesso aos cidadãos, evitando o receio de ao entregar ao Estado a legitimidade de decidir os problemas que vem enfrentando, ainda correr o risco de ser condenado ao pagamento de elevadas custas e encargos, bem como honorários advocatícios.

Infelizmente os gastos para o custeio da justiça são muito elevados e ainda não contamos com uma justiça inteiramente gratuita.

Tal afirmação é abrandada pela Lei n° 1060/50, que estabelece a possibilidade de concessão de justiça gratuita para pessoas que efetivamente não tenham condições de arcar com as despesas processuais sem que isto venha a causar problemas de ordem alimentar para si e para sua família, conforme percebe-se da leitura de seu Art. 2º, abaixo transcrito:

“Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho.

Parágrafo único. – Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.”

Neste caso, basta ao beneficiário que faça uma simples afirmação de sua situação financeira, sendo desnecessária, a princípio, qualquer outra documentação, passando o beneficiário a ser isento do pagamento das custas constantes no Art. 3º da aludida lei, conforme abaixo disposto:

“Art. 3º. A assistência judiciária compreende as seguintes isenções:

I – das taxas judiciárias e dos selos;

II – dos emolumentos e custas devidos aos Juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da justiça;

III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais;

IV – das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios; ou contra o poder público estadual, nos Estados;

V – dos honorários de advogado e peritos.

VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade.

VII – dos depósitos previstos em lei para interposição de recurso, ajuizamento de ação e demais atos processuais inerentes ao exercício da ampla defesa e do contraditório.

Parágrafo único. A publicação de edital em jornal encarregado da divulgação de atos oficiais, na forma do inciso III, dispensa a publicação em outro jornal.”

Convém que qualquer regra limitativa no que se refere à gratuidade da justiça seja interpretada de forma a deferi-la na maior parte dos casos para o mais fiel atendimento da finalidade da justiça, bem como dos princípios basilares do direito.

Apesar disso, não é o que vem acontecendo nos tribunais, principalmente com relação às empresas. Normalmente o que ocorre é o liminar indeferimento do pedido de gratuidade se não restar provado que a empresa vem atuando com prejuízo, por meio de balanço patrimonial ou outro meio de prova, conforme constante jurisprudência.

Inicialmente cabe estabelecer que a Lei n° 1.060/50 não especifica de forma expressa tratar-se de um benefício concedido unicamente às pessoas físicas, mas algumas das disposições da aludida lei podem levar a este entendimento, o que torna a matéria no mínimo aberta a discussão.

Independente disso, a jurisprudência vem se formando no sentido de que a regra é a sua não concessão para as pessoas jurídicas que tenham como função primordial o exercício de atividade lucrativa se não comprovada nos autos do processo a insuficiência de recursos, prova esta que muitas vezes se faz demais complexa, sendo que em muitos dos casos é necessária a contratação de funcionários especializados para a criação de tais demonstrativos.

Ocorre que um grave problema e uma muitas vezes uma ignorada discriminação vem ocorrendo com o Empresário Individual, ao solicitar que lhe seja concedido os benefícios da justiça gratuita nos termos da Lei n° 1.060/50, o que passa despercebido aos operadores do direito, mas que resulta em grande prejuízo para os pequenos empresários e indiretamente para a credibilidade do judiciário e para toda a sociedade.

O fato é que pela sua condição de exercer o desenvolvimento de uma empresa, o mesmo vem sido confundido com Pessoa Jurídica, quando em verdade o dito empresário trata-se da própria Pessoa Física ou Natural que exerce atividade empresarial por sua conta e risco, e com patrimônio próprio, motivo pelo qual não consta juntamente a lista de pessoas jurídicas de direito privado no Código Civil, em seu Art. 44, abaixo transcrito:

“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:

I – as associações;

II – as sociedades;

III – as fundações;

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos.”

Não há que se confundir a sociedade empresária com o empresário individual, pois enquanto este atua sozinho, como pessoa física que é, aquela é composta Ca conjunção de mais de uma vontade para o desenvolvimento de um fim comum.

O fato que gera a confusão se dá pela emissão de CNPJ ao empresário individual. Cabe esclarecer, no entanto que se isto se dá devido a uma ficção legal, apenas existente para fins tributários de facilitar o recolhimento do Imposto de Renda.

Por tal fundamento inexiste uma diferença entre um empresário individual e, por exemplo, um médico que não tenha condições de arcar com os gastos da justiça sem prejuízo alimentar.

A partir desta compreensão salta aos olhos o direito do Empresário Individual a que lhe seja concedido o benefício da justiça gratuita quando se enquadre nos requisitos legais constantes no Art. 2º da Lei n° 1060/50, não por ser um empresário, mas por ser uma pessoa física.

Basta desta forma, para que lhe seja concedido tal benefício, nos termos do Art. 4º da Lei n° 1.060/50, que faça uma simples afirmação da inexistência de condições de arcar com as despesas e custas processuais, sendo desnecessária, a princípio, a comprovação desta condição, conforme se segue:

“Art. 4º. A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família.

Não há que se falar que estariam sendo beneficiados grandes empresários, pois esses deixam, mesmo que ainda empresários individuais, de possuir direito a tal benefício a partir do momento que possuem recursos suficientes para o pagamento das aludidas custas, sob pena de constatada a fraude pagar o décuplo das custas, conforme estabelecido no Art. 4º §1º, conforme lê-se abaixo:

“§ 1º. Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta lei, sob pena de pagamento até o décuplo das custas judiciais.”

A situação agrava-se quando surge a figura do Microempreendedor Individual (MEI), trazido pela Lei Complementar n° 128/08, figura esta que pode fazer sua constituição e mesmo exigências contábeis de forma menos burocrática e sem quaisquer custos, mas ao mesmo tempo parece ser tratado pela justiça como se fosse uma multinacional no que se refere ao recolhimento de custas e despesas processuais. Um absurdo!

Para o bom funcionamento da justiça, bem como respeito aos preceitos e princípios gerais e mesmo constitucionais de mais amplo acesso à justiça, bem como ao princípio da igualdade em todas as suas formas, faz-se necessário a observância do Empresário Individual como uma verdadeira Pessoa Física, garantindo os direitos que lhe são deferidos por lei e muitas vezes ignorados pelo operador do direito.

Por: Filipe Charone Tavares Lopes

Os Juizados Especiais Cíveis surgiram como uma forma de desafogar o Poder Judiciário, bem como proporcionar uma justiça mais célere e gratuita ao alcance da sociedade para as causas de menor complexidade.

Sua criação pela Lei n° 9099/95 foi um marco na estrutura judiciária do país, mesmo que na atualidade muitas dessas entidades já se encontrem abarrotas de processos, conseqüência da grande procura por toda a comunidade.

Como regra, apenas as pessoas físicas capazes poderão ingressar com ações perante os Juizados Especiais Cíveis, é o que se compreende da expressa leitura do Art. 8º, §1º do aludido diploma, já com as alterações introduzidas pela Lei n° 12.126/09, conforme abaixo segue:

“Art. 8º Não poderão ser partes, no processo instituído por esta Lei, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil.

§ 1o Somente serão admitidas a propor ação perante o Juizado Especial:

I – as pessoas físicas capazes, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas;

II – as microempresas, assim definidas pela Lei no 9.841, de 5 de outubro de 1999;

III – as pessoas jurídicas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, nos termos da Lei no 9.790, de 23 de março de 1999;

IV – as sociedades de crédito ao microempreendedor, nos termos do art. 1o da Lei no10.194, de 14 de fevereiro de 2001.”

Conforme verificado, estão impedidas de interpor ações perante Juizados Especiais Cíveis as pessoas jurídicas, salvo aquelas qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, as Sociedades de Crédito ao Microempreendedor e aquelas reputadas como Microempresas e Empresas de Pequeno Porte.

Com relação às Microempresas, a própria Lei n° 9099/95 a autoriza o ajuizamento, em seu Art. 8º, §1º II, conforme já demonstrado acima. Por outro lado, com relação às Empresas de Pequeno Porte, a Lei Complementar n° 123/2006, em seu Art. 74 é quem defere tal possibilidade, conforme segue transcrito:

“Art. 74. Aplica-se às microempresas e às empresas de pequeno porte de que trata esta Lei Complementar o disposto no § 1o do art. 8o da Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995, e no inciso I do caput do art. 6o da Lei no 10.259, de 12 de julho de 2001, as quais, assim como as pessoas físicas capazes, passam a ser admitidas como proponentes de ação perante o Juizado Especial, excluídos os cessionários de direito de pessoas jurídicas.”

Desta forma, qualquer outra pessoa jurídica não poderá optar pelo Juizado Especial Cível para a solução de seus litígios quando figurar como autora da demanda, sob pena de expressa violação ao que disciplina a lei e acompanha a doutrina.

Apesar disso, a dúvida resta com relação à propositura de ação perante Juizados Especiais Cíveis pelos denominados Empresários Individuais não enquadrados como Microempresas ou Empresas de Pequeno Porte, o que vem sido negado por referidas instituições, sob a argumentação de que os mesmos seriam pessoas jurídicas, devendo por esta razão ingressar perante a Justiça Comum.

Tal entendimento em verdade é equivocado, uma vez que deixa o interprete da norma de observar a lógica das disposições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o assunto.

A empresa, de acordo com o conceito introduzido no Brasil pela vigência do Código Civil de 2002, é a atividade econômica desenvolvida de forma organizada para a produção e circulação de bens ou serviços. Poderá ser desenvolvida pela constituição de uma pessoa jurídica, a partir da conjunção de vontades de vários interessados no mesmo fim social, ou por pessoa física individualmente.

Denomina-se Empresário Individual a pessoa física que resolve aventurar-se no desenvolvimento de uma empresa, fazendo-o por conta própria, não havendo sequer divisão patrimonial entre os bens que compõem a atividade e os particulares do aludido empresário.

Este pensamento é reforçado pelo ensinamento de FÁBIO ULHOA COELHO[1] ao expor o que se segue:

“Empresário é a pessoa que toma a iniciativa de organizar uma atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços. Essa pessoa pode ser tanto a física, que emprega seu dinheiro e organiza a empresa individualmente, como a jurídica, nascida da união de esforços de seus integrantes.”

Mesmo expedindo um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas), o que se dá apenas para fins tributários, e instituindo um nome empresarial do tipo “firma”, o Empresário Individual não deixa de ser pessoa física, conforme o entendimento da maior parte da doutrina e jurisprudência especializada no assunto, a se destacar o posicionamento do STJ abaixo transcrito:

“(…)

– Empresário individual é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer civis quer comerciais.

(…)” (STJ – RECURSO ESPECIAL: REsp 594832 RO 2003/0169231-3, Relator(a): Ministra NANCY ANDRIGHI, Julgamento: 28/06/2005, Órgão Julgador: T3 – TERCEIRA TURMA, Publicação: DJ 01/08/2005 p. 443, RSTJ vol. 200 p. 327)

Em verdade tal fato se dá apenas para efeitos de recolhimento do Imposto de Renda, já que para fins tributários o Empresário Individual reputa-se como uma pessoa jurídica, conforme palavras de RUBENS REQUIÃO[2] abaixo transcritas:

“A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção legal somente para o efeito do imposto de renda”

A própria Lei n° 9.099/95 em diversos dispositivos demonstra claramente seu interesse em diferenciar o Empresário Individual da Sociedade Empresária, uma vez que em vários trechos de seu diploma individualiza os institutos como duas figuras diversas, conforme resta claro da leitura dos Arts. 9º e 18 abaixo destacados:

“Art. 9º (…)

§ 1º Sendo facultativa a assistência, se uma das partes comparecer assistida por advogado, ou se o réu for pessoa jurídica ou firma individual, terá a outra parte, se quiser, assistência judiciária prestada por órgão instituído junto ao Juizado Especial, na forma da lei local.

(…)

§ 4o O réu, sendo pessoa jurídica ou titular de firma individual, poderá ser representado por preposto credenciado, munido de carta de preposição com poderes para transigir, sem haver necessidade de vínculo empregatício.”

“Art. 18. (…)

II – tratando-se de pessoa jurídica ou firma individual, mediante entrega ao encarregado da recepção, que será obrigatoriamente identificado;”

Apesar disto, não basta ser pessoa física, uma vez que a Lei n° 9099/95 exige ainda que referida pessoa seja capaz, restando necessário verificar acerca da capacidade para o exercício de uma empresa.

De acordo com o que preceitua o Art. 972 do Código Civil, reputa-se necessário para ser considerado empresário, que a pessoa física possua a devida capacidade civil e não seja legalmente impedida, conforme transcreve-se abaixo.

“Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos.”

Existem, porém, casos autorizados pela própria lei em que uma pessoa física mesmo na condição de incapaz, poderá ser considerado empresário, o que é deferido pela exceção contida no Art. 974 do Código Civil, e ocorre todas as vezes em que tiver de continuar a empresa por ele desenvolvida quando ainda era capaz, ou quando o empreendimento fosse de seus pais ou do autor da herança. Em tais situações deverá ser o empresário devidamente representado ou assistido.

Nesses casos, por expressa proibição legal e para a defesa dos direitos do incapaz, incompatível com o rito mais célere dos Juizados Especiais, fica legalmente vedada a participação de Empresário Individual como parte autora perante tal entidade.

Desta forma, por tratar-se de uma pessoa natural ou física, no exercício da empresa, o Empresário Individual capaz deverá arcar com todos os ônus, bem como receber todos os direitos inerentes a esta condição, sob pela de violação de princípios constitucionais basilares de toda a estrutura jurídica, como o da Igualdade, já que seriam tratados de forma desigual pessoas físicas iguais e o da Legalidade, já que não haveria nenhuma fundamentação legal para o dito tratamento.

Mais do que isso, não é difícil chegar a conclusão de que uma interpretação diversa sobre o assunto, negando ao Empresário Individual capaz um direito seu, como pessoa física que é, de ingressar com pedido perante Juizado Especial Cível seria lhe tomar o direito a optar por uma justiça mais célere e menos custosa, ainda que teoricamente face a realidade dos juizados, para obrigá-lo a cair na demorada e sabidamente custosa justiça comum.

Desta forma, não existem fundamentos legais, doutrinários ou mesmo jurídicos para a recusa ao recebimento de ação perante Juizado Especial Cível em que figure como parte autora um Empresário Individual capaz, mesmo que não esteja enquadrado como Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte, uma vez que não representa uma pessoa jurídica, mas sim uma pessoa física no exercício da empresa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2003


[1] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 63

[2] REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.1. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 78

Por: Filipe Charone Tavares Lopes

A personalização da pessoa jurídica foi uma forma encontrada para incentivar novas iniciativas econômicas, principalmente no que se refere à realização de negócios mais arriscados, que muitas vezes demandam maiores investimentos, mas almejam maiores resultados.

Por meio deste instrumento, passa a sociedade empresária a contrair obrigações próprias e independentes e mesmo possuir um patrimônio totalmente desvinculado do de seus sócios, que, dependendo do tipo societário adotado, não terão seus bens pessoais afetados em decorrência da falha de determinado empreendimento.

É um instituto jurídico louvável, pois proporciona o surgimento de novos empregos, fortalece a economia e dá origem a grandes fontes tributárias, sem mencionar os inúmeros benefícios previdenciários que ajudará a custear.

Por certo não foram poucos os que utilizaram-se do referido instrumento legal para criar fraudes e realizar atividades ilícitas. Cabe ao jurista encontrar formas para evitá-las de modo a preservar este benefício tão necessário à todos.

A doutrina, jurisprudência e a legislação solidificaram a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica em casos de confusão patrimonial ou caracterização de fraude contra credores, o que chamam de Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica.

Por meio dela, em sua acepção mais reconhecida pela doutrina, ocorrendo os atos reputados fraudulentos, o patrimônio pessoal dos sócios poderá sim ser atingido, vindo a responder pelas obrigações contraídas pela sociedade, cabendo desta forma à parte que pleiteia a desconsideração comprovar a ocorrência da fraude.

Sabe-se que grande parte dos ônus dos mais variados empreendimentos decorre de dívidas tributárias que se originam por imposição legal do Estado pelo mero fato de se realizar as atividades inerentes à empresa, como a prestação de um serviço, ou mesmo comercialização de determinado produto e transporte de mercadorias.

De fato os encargos tributários já iniciam antes mesmo do retorno financeiro da atividade, em face das inúmeras taxas que devem ser custeadas meio que “às cegas” pelo empreendedor quando do início de sua empresa.

Em decorrência disto, não pode ser diferente o tratamento da personalidade jurídica em matéria tributária, sob pena de perder significância e funcionalidade o instituto da personalização das sociedades empresárias.

Recentemente ao tratar do tema e pacificando o posicionamento sobre assuntos de relevância em matéria tributária, o STJ passou de forma expressa a reconhecer que o mero descumprimento de obrigação tributária não pode implicar na afetação do patrimônio do sócio administrador, o que fez com a edição da súmula n° 430, de teor abaixo transcrito:

“Súmula 430: O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”

De fato, o próprio Código Tributário Nacional já vinha caminhando neste sentido, ao afirmar em seu Art. 135 ser possível a afetação de patrimônio dos sócios, ou mesmo de administradores, mas sendo necessário para isto que ocorresse a violação de contrato social ou estatutos, que deveria ser comprovado pela Fazenda Pública quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica.

Caso comprovada, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica é perfeitamente aceitável e legal, já que não se pode privilegiar com tal benefício um empresário que utiliza-se de meios ardilosos para a consecução de fins ilícitos (estes sempre contrários ao pretendido pela sociedade).

Apesar disto, o que vinha ocorrendo em alguns julgados era a imediata aplicação da desconsideração da personalidade jurídica ao perceber-se o simples descumprimento de obrigação tributária, para a direta afetação do patrimônio dos sócios administradores, sem que restasse sequer ventilado nos autos do processo a ocorrência da necessária fraude.

Tal atitude implica em claro desrespeito ao que afirmava a legislação, contrariando princípios inclusive constitucionais, como o do Devido Processo Legal, ou mesmo o da Legalidade, sob o corriqueiro argumento da maior importância do interesse público do que o privado.

Passa-se a enxergar o empresário como um ente essencialmente ilícito, que teria contribuído de forma dolosa e ardilosa para a destruição de seu próprio empreendimento, com o intuito exclusivo de prejudicar o fisco e os demais credores, o que na grande maioria dos casos não reflete a realidade.

Não se está aqui tentando retirar o valor da primazia do interesse público sobre o privado, uma vez que é indispensável da mesma forma para a aplicação mais perfeita do direito. O que não se pode de fato é cometer irregularidades tamanhas baseando-se neste princípio, sendo uma clara arbitrariedade a que vinham sendo acometidos muitos empresários de boa fé e que não conseguiram conduzir seus negócios da forma pretendida.

O fato é que a partir desta nova súmula instituída pelo STJ os empresários passam a ter em suas mãos mais um argumento que lhe estimule a reunir novas forças e construir um novo empreendimento que vai resultar em benefícios diretos ou indiretos para todo o país.

O passo dado pelo STJ ao pacificar seu entendimento na súmula 430 merece aplauso e deverá ser observado pelos operadores do direito, para regular realização da justiça.